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No final dos anos ‘80 o Miguel Esteves Cardoso foi convidado para um debate na TV na sua qualidade de cabeça de lista do PPM ao Parlamento Europeu.
Mas o debate tinha uma hierarquia: num dia iam os 4 candidatos dos partidos com representação parlamentar, e num outro dia ia uma turba de não-sei-quantos candidatos dos outros partidos todos.
O MEC não achou a situação aceitável à luz do princípio da igualdade no tratamento das candidaturas a que as TV's estavam obrigadas, e declinou o convite.
Escreveu um comunicado que foi lido pelo moderador do debate dos chamados pequenos partidos, que lamentou a sua ausência e o facto de o MEC não ter ido pessoalmente ao programa de TV esclarecer a sua posição (mesmo que depois abandonasse do debate).
A sua decisão não era fácil porque faltar ao programa era perder uma oportunidade importante para dar visibilidade à sua própria candidatura, mas o MEC não queria ir ao debate para dizer mal dos moldes em que se desenrolava o próprio debate.
Para ele era acima de tudo uma questão de educação: - não se vai jantar a casa de uma pessoa para dizer mal do bife – confidenciou ele mais tarde a um grupo onde eu me encontrava.
E eu lembro-me demasiadas vezes deste episódio – recordo-o sempre que vejo as páginas de facebook de amigos serem minadas por gente maldizente que comenta com violência ou se envolve em discussões iradas com o autor ou com outros comentadores.
Já não nos bastavam as caixas de comentário dos jornais (que por higiene e pudor não leio) ainda temos que assistir por vezes à transformação de páginas pessoais de amigos em verdadeiros “fóruns” de pugilato e verborreia.
Eu sou alérgico à unicidade e ao unanimismo, entenda-se.
Gosto de discussões acaloradas, mas quando se mantém a urbanidade e existe evidente intimidade entre as pessoas - entre verdadeiros amigos vale (quase) tudo e poucas coisas batem em entusiasmo uma boa discussão entre amigos.
Mas há muita gente que não conhece os limites da razoabilidade (que reconheço ser um conceito por demais subjetivo), nem da boa educação, nem percebe os limites da (falta de) intimidade.
Gosto mais de me envolver numa discussão à mesa do café do que numa caixa de comentários do facebook, e muito menos na página de outra pessoa.
Quando leio alguma coisa e me apetece logo comentar, esforço-me por filtrar o meu comentário à luz das 3 perguntas clássicas: - É verdade? - É necessário? - É amável?
Sei que nem sempre consigo, mas esforço-me por filtrar e muitas vezes acabo por engolir em seco e passar à frente.
Uma página pessoal é isso mesmo; a página de alguém – é a casa virtual de uma pessoa.
Não se vai lá a casa para dizer mal do bife...
Eu tento ser militantemente do contra.
E como fã irredutível Monty Python, juro que tentei ficar do lado do Terry Gilliam no meio desta confusão toda.
Primeiro resisti à tentação de me indignar logo com as primeiras notícias incendiárias que falavam de um Convento de Cristo em Tomar “parcialmente destruído” (credo).
Depois esperei que surgissem mais notícias, imagens, justificações oficiais, enfim... mais fontes para poder saber melhor o que pensar sobre a polémica das filmagens em Tomar.
Ao fim de alguns dias a poeira foi assentando e o Convento de Cristo que tinha sido “parcialmente destruído” afinal parece que teve como danos (a fazer fé nas notícias mais recentes) 6 telhas partidas e 4 fragmentos de pedra danificados o que corresponde a 2.900€ de danos que a produtora do filme irá pagar.
Parece que não foi grave, ou pelo menos não terá sido tão grave quanto inicialmente se supunha.
Falso.
É grave, é mesmo muito grave.
Pessoalmente acho óptimo que se arrende património para fins culturais (ou outros) como estratégia para o divulgar e/ou ajudar a rentabilizar.
Ainda recentemente o Museu dos Coches foi utilizado durante o 1º Salão Internacional do Veículo Elétrico, Híbrido e da Mobilidade Inteligente , juntando no mesmo espaço os coches centenários e os veículos do futuro amigos do ambiente, sem colocar em risco físico o património existente – é um exemplo de uma boa ideia que promove o nosso património e assegura receitas extra para o museu em causa.
Mas aquilo que aconteceu em Tomar ultrapassa tudo aquilo que seria recomendável.
Em primeiro lugar, e reconhecendo a minha ignorância na matéria, não percebo como é que em 2017 é preciso fazer de facto uma fogueira de 20 metros para filmar uma fogueira de 20 metros – estava convencido que os efeitos especiais no cinema estavam um bocadinho mais avançados do que isso e se podiam simular factos e acontecimentos sem ter que os reprodizir à escala real - à partida o recurso a maquetes e a meios digitais permite isso com economia de custos e de riscos.
Permitir que se faça uma fogueira com 20 metros de altura (a altura de um prédio de 6 andares) dentro dos claustros do convento, alimentada por 20(!) botijas de gás é uma perfeita aberração.
De pouco me interessa que digam que estavam presentes representantes dos bombeiros e a proteção civil – se as botijas explodissem o que faria essa gente para além de falecer com estrondo?
De pouco me interessa que digam de que havia um seguro de 2,5 milhões de euros – se houvesse uma explosão a seguradora construía um Convento de Cristo novo, a estrear, pelo valor de uma moradia no Restelo? Com uma Janela do Capítulo em pladour?
De todas as explicações que li, a mais fofa (chamemos-lhe assim) vem da representante da produtora. Diz Pandora da Cunha Telles que o facto de o monumento aparecer no filme “contribuirá, esperamos, para incrementar o interesse em Portugal, trazer mais turistas ao país”.
A ver se entendo...
O filme chama-se “O homem que matou Dom Quixote” e a fogueira da polémica evoca (nas palavras do realizador) as festas populares de Las Fallas em Valência.
Portanto a senhora Pandora acha que as pessoas vão ver um filme sobre a mais importante personagem da literatura Espanhola onde há uma cena que evoca uma festa popular de uma cidade Espanhola e vão dizer: “- Ai pá, temos que ir a Portugal, caraças” (e dizem isto nas suas línguas maternas).
Ó Pandora, ou distribuem um flyer com uma ficha técnica onde explicam a localização de todos os pontos de filmagem (e obrigam o público a lê-la), ou então provavelmente a exibição do filme vai contribuir tanto para a promoção de Portugal como da Nova Zelândia ou do Cazaquistão.
Agora a sério, ainda bem que tudo acabou sem danos irreparáveis.
Mas entre outros fins relevantes, eu também pago impostos para que o património seja preservado e salvaguardado, e para que as pessoas que sofrem de distúrbios mentais mais ou menos graves tenham o devido acompanhamento médico se for caso disso.
A verdade é que todas as reações oficiais até ao momento roçam o anedótico.
Bom, pelo menos nisso são dignas de um filme dos Monty Python.