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“Autismo”, de Valério Romão, é um livro extraordinário.
Sim, o título diz tudo – é um livro sobre o autismo.
E sim, o autor sabe bem do que fala porque é pai de uma criança autista.
Ainda assim, é um romance belíssimo.
E digo “ainda assim” porque é de facto um romance; não é um livro escrito ostensivamente na 1ª pessoa nem um mero relato da experiência pessoal nem muito menos um panfleto sobre a doença.
É um romance arrebatador e durante uns dias eu dei por mim a trabalhar com vontade de voltar para casa, tratar dos miúdos, cumprir os serviços mínimos e ir para a cama ler.
Imagino que todos os pais de crianças com autismo o tenham lido.
Mas este livro devia ser de leitura obrigatória para todos os pais e mães, não tanto para darem valor à saúde dos seus filhos mas para sentirem um pouco da angustia e da dor permanente destes pais.
Acho que nos faz falta isto: sofrer pelos outros e sentir-lhes, ainda que temporariamente, o seu sofrimento.
Até porque sabemos bem que, como nos filmes pesados, quando aquilo “acaba” nós voltamos para a nossa vidinha...
Neste tempo em que despachamos a solidariedade para com os outros num post de facebook que nos leva 1 segundo a partilhar e somos todos contra a guerra e o "câncer", ler este livro é um murro no estômago à antiga.
O livro é escrito por um homem e acho que isso se nota; eu pelo menos senti-me tão identificado com as angustias da personagem masculina que não consegui deixar de pensar nisso o tempo todo. Normalmente o género do escritor é-me indiferente mas aqui senti um homem por detrás da escrita e acho que isso acrescenta valor ao livro.
Vi as relações e os sonhos, a sensibilidade e a revolta, as fragilidades e o desencanto tal como penso que eu próprio a sentiria.
E senti como, de alguma forma, todos falhamos às nossas mulheres.
Nós somos uma merda mas ainda assim esforçamo-nos e amamos.
É por isso que todos, homens e mulheres, pais e mães, deviam ler este livro - para nos amarmos mais e nos compreendermos melhor – para não desistirmos de tentar perceber o mundo do outro.
Não sei se é fácil encontrá-lo nas prateleiras das livrarias mas pode encomendar-se on-line.
Autismo é um livro cru, a preto-e-branco, sem pinceladas de cor ou de esperança, sem expectativas de redenção; é uma janela aberta para um quarto escuro.
Mas é preciso lê-lo.
Se eu fosse um organizador de festivais de verão, sei muito bem qual era a primeira banda que tentaria contratar: as Pussy Riot.
E não é só por causa da recente colaboração com o David Sitek (dos TV on the Radio).
Não é porque agora estão numa onda mais pop do que o seu registo habitual como neste (muito bom) "Police State"...
Um Festival é mais do que uma sucessão de concertos avulsos; é um evento cultural que, juntando artistas de diversas origens, procura criar uma identidade comum que os une.
Por isso é que os festivais são diferentes.
Por isso é que há festivais onde as marcas atropelam os visitantes e outros onde os patrocinadores respeitam os espectadores; por isso é que há festivais que apostam na produção negligente de lixo enquanto outros investem em copos recicláveis.
No fundo, e independentemente do tipo de música, ao criar a sua imagem cada festival tenta criar a sua identidade e a sua ética. E é aí que entram as Pussy Riot
Um pouco na senda da frase “Save a life, save a world!" (que a Fundação Aristides de Sousa Mendes costuma usar como "assinatura") eu acho que quem luta pela sua liberdade, no seu País, luta pela liberdade de todos nós em todo o lado. E nisso de lutar pela liberdade as Pussy Riot são um dos grandes exemplos deste mundo porque arriscam a sua integridade, a sua liberdade e a sua vida.
Já foram presas, já foram deportadas para campos de trabalho forçado, já foram impedidas de comunicar com familiares e advogados, são agredidas, e voltam sempre ao seu activismo e à sua luta. Basta um passeio pelo youtube (como aqui) para ficar nauseado pela violência com que são tratadas e espantado com a sua coragem física...
A onda delas pode não ser a minha e se elas fossem Portuguesas talvez as achasse excessivas, panfletárias e radicas – mas elas fazem-no num País que é uma ditadura há séculos e onde lutar pela liberdade se paga frequentemente com a vida.
Mereciam que da parte do mundo livre alguém lhes estendesse a mão para lhes dizer que admiramos a sua coragem, a sua determinação e o seu apego à liberdade que no fundo é de todos nós; alguém que lhes dissesse “- Miúdas, querem vir tocar à nossa terra”.
Trazê-las cá, mais do que propor um concerto, seria fazer uma afirmação moral e ética pela liberdade e contra todas as formas de violência e de opressão.
No fundo a nossa geração só é livre porque alguém lutou por nós e pela nossa liberdade ainda antes de termos nascido; nós podíamos usar a liberdade que nos deram de graça para ajudar a promover a liberdade dos outros.
Só por causa disso, eu gostava mais de ver as Pussy Riot em Portugal do que qualquer outra banda.
Alguém arrisca?
Free Pussy Riot!
De todas as polémicas palermas em que temos sido envolvidos, esta da lei que permite a entrada de animais em estabelecimentos comerciais é das mais parvas de todas.
Desde logo porque, enquanto lei, foi aprovada por unanimidade no Parlamento.
Sim, por unanimidade.
Eu não acho que a Assembleia da República “esgote” a sociedade civil. Mas quando uma lei é aprovada por unanimidade, talvez não estejamos propriamente perante uma “polémica”. Digo eu...
Só os estabelecimentos comerciais que quiserem é que vão permitir a entrada de animais, e só as pessoas que quiserem viver essa experiência é que lá vão entrar – mais simples e livre é impossível.
Perante isto, estar contra esta lei é tão estúpido como estar contra a existência de restaurantes japoneses com o argumento de que não se gosta de peixe cru, ou estar contra a abertura de restaurantes mexicanos e indianos porque o excesso de picante pode fazer mal.
Meus amigos: quem quer vai, quem não quer não vai.
O problema não está na lei nem nos animais nem nos donos nem no suposto politicamente correto.
O problema está numa sociedade civil sopeira que acha que deve opinar sobre a vida dos outros e o que fazem os outros; pior do que isso, uma sociedade civil que se sente no direito de interferir na vida dos outros, como se a vida dos outros interferisse na sua.
É um bocado como um heterossexual ser contra o casamento gay - como se isso mexesse na sua própria vida.
Nesta discussão, como em tantas outras, não há razão dos dois lados nem opiniões diferentes: há apenas as pessoas que percebem que têm liberdade para ir e não ir onde lhes apetece, e a malta com espírito de porteira quadrilheira que, por terem vidas mais poucochinhas e muito tempo livre, passam o tempo a ver e a opinar sobre a vida dos outros.
Deve ser chato estar a jantar e de repente ver o Bobby da mesa do lado a arrear um triplex castanho e pastoso. Mas quem não quiser correr esse risco, só tem que fazer o que sempre fez – ir aos restaurantes onde costuma ir onde não entram animais (é o que eu pessoalmente conto fazer).
Eu quero lá saber se há quem goste comida crua ou cozinhada, se há quem goste de carne ou prefira vegetariano, se gostam de ir jantar com a namorada ou com o Farrusco ou com ambos...
A vida dos outros interessa-me pouco; nisso sou muito pouco tuga, sou muito pouco sopeiro.
Ou como dizia o chavão do filme, get a life...
(nota do editor: este texto foi escrito por um tipo que adora animais, que tem uma cadela, e que não está a pensar de todo ir almoçar ou jantar fora com ela)