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No passado evitei escrever sobre Bruno de Carvalho porque o assunto me provocava angustia e desgaste emocional, porque o tema era escalpelizado ad nauseam em todo o lado, e porque tudo o que o ex-presidente do Sporting dizia ou escrevia era desmentido pelo próprio ou pela realidade nas 24h seguintes.
Mas depois das reações do próprio à última assembleia geral que votou a sua destituição apeteceu-me fazer o exercício de, humildemente, analisar a sua mais recente argumentação.
Peguei no seu último post no facebook (este) e como não foi alterado ou editado, ao contrário dos outros, usei-o como ponto de partida para a tarefa.
Aqui ficam os meus comentários a alguns dos pontos que o agora ex-presidente do Sporting apresenta em sua defesa.
"Tenho de começar logo com um primeiro agradecimento especial aos quase 30% que votaram na nossa não destituição. Nem vale mais discutir se foram mais ou não."
Não foram mais, de facto foram menos; mais precisamente 28,64%.
O curioso é que quando o ex-presidente teve votações com resultados favoráveis assumiu-os sempre como exatos e fidedignos.
"Sempre quis ser um Líder popular, com os pés assentes na terra, com um discurso mobilizador que voltasse a devolver o orgulho."
Não se pode devolver o orgulho a quem nunca o perdeu; se há coisa que a massa associativa do Sporting sempre teve, mesmo durante as mais inclementes travessias do deserto, foi orgulho no seu Sporting – qualquer sportinguista sabe e sente isso.
“Um discurso ambicioso, virado para dentro e para fora, demostrando ao Mundo que estávamos aqui para vencer tudo e exigir de volta o que tínhamos perdido: Respeito.”
Se houve coisa que o Sporting e os sportinguistas não ganharam foi “respeito”.
O ex-presidente passou boa parte do seu tempo a tratar quase toda a gente como inimigos e fê-lo de forma inaceitável.
De cada vez que se dirigia a alguém (fossem adversários externos ou sportinguistas) como “ratos”, vermes” ou “nojentos”, o Sporting não ganhou respeito – pelo contrário, os sportinguistas foram ganhando vergonha pela postura do seu presidente.
“Isto abriu uma guerra geracional que não era de todo o pretendido.”
É falso, não existe nenhuma guerra geracional.
Numa das mais concorridas Assembleias Gerais da história do Sporting o “SIM” à destituição ganhou em TODAS as mesas.
Mesmo na mesa onde votaram os sócios mais recentes que se inscreveram já durante a presidência de Bruno de Carvalho, o “Sim” à destituição teve 54,6%.
Por outro lado, é impossível associar de forma clara a antiguidade dos sócios a um factor geracional: há pessoas com 50 anos de idade que são sócias há 5 anos e há pessoas com 30 anos de idade que são sócias há 30 anos.
A única certeza que temos é que o Sim à destituição de Bruno de Carvalho foi absolutamente unânime entre todas as gerações de sócios.
“Mas o discurso levou a que muitos Sportinguistas se afastassem, mesmo não percebendo o porquê...”
Penso que os Sportinguistas se afastaram precisamente porque percebem porquê.
Mesmo neste post em que se pretende apresentar como um ex-presidente fofinho, humilde e conciliador, acaba por menorizar mais uma vez de forma ostensiva os sportinguistas afirmando que eles só se afastaram do líder porque não perceberam.
Pelo menos aqui regista-se uma exceção à regra e o ex-presidente apresenta uma rara coerência neste hábito de menosprezar as capacidades dos associados do Sporting: ele tem que falar devagarinho para que o possamos entender, quem votou sim à destituição é fraco de espírito, e agora os que se afastaram é porque não percebem.
Bruno de Carvalho tem mudado de opinião todos os dias sobre quase todos os assuntos, mas quanto a ofender os sócios do Sporting tem sido coerente - reconheça-se isso.
“Afinal, o conteúdo era aparentemente 100% correcto”
Aparentemente é falso; aparentemente os Sportinguistas não consideram o discurso do seu ex-presidente “aparentemente 100% correcto” – se o achassem não tinham votado massivamente na sua destituição.
Basta recordar o tenebroso episódio do ataque a Alcochete em que o ex-presidente afirmou que os jogadores eram involuntariamente responsáveis pelo ataque – para muitos Sportinguistas o conteúdo estava 100% incorreto.
Este espírito de culpabilização da vítima é o mesmo que diz que uma mulher violada é culpada pela sua violação porque estava de saias ou tinha bebido umas cervejas – é o patamar da náusea e do abjecto.
“O Clube chegou ao sucesso e a minha imagem pessoal ficou totalmente deturpada ao olhos de muitos.”
Não vou discutir a afirmação de que o Sporting chegou ao “sucesso” porque esse é um conceito subjetivo. Mas a imagem pessoal do ex-presidente não ficou nada deturpada; pelo contrário ficou amplamente demonstrada de forma clara e transparente.
Alguém que passou os últimos anos a envolver-se publicamente em discussões com adversários internos e externos com um discurso à base do “verme”, “idiota”, “labrego”, “traidor”, “reles”, “porco”, “nojento” ou “cretino”, não tem a sua imagem pessoal deturpada – tem uma imagem pessoal que corresponde exatamente à realidade.
“Vamos ter a humildade de receber de braços abertos todos os que queiram apresentar o seu projecto para o Sporting CP.”
A ver se entendo... durante anos os adversários eram ratos, nojentos, porcos e traidores. E agora, só porque pende um processo disciplinar sobre o ex-presidente, vamos acolher todos de braços abertos?
Alguém mal intencionado ainda pode pensar que esta postura é algo hipócrita para quem apregoa que a frontalidade é uma das suas maiores virtudes.
“O meu desejo é simples, que se acabe com este processo disciplinar”
O meu desejo é precisamente o oposto. Quem ataca os atletas do Sporting publicamente como depois do jogo com o Atlético de Madrid, quem acusa os atletas do Sporting de serem co-responsáveis pelas agressões de que a nossa Academia foi vítima, quem passou os últimos anos a atacar e a ofender os sportinguistas e quem ainda há poucos dias escreveu que os 71% que votaram pela sua destituição são “tristes e fracos de espírito” (sic), deve ser expulso do clube.
Não faz sentido que uma associação, seja um partido, uma empresa ou um clube, tenha como associado alguém que se tornou tóxico e prejudicial, e que regularmente demonstra o seu desprezo pelo clube e seus associados.
Se um empregado passar a vida a falar mal da empresa e dos colegas acabará despedido; se um filiado passar a vida a falar mal do partido e dos adversários acabará expulso; se um sócio ou dirigente passar a vida a falar mal do clube e dos associados acontece-lhe o mesmo. É assim em todo o lado.
“Somos um país livre e democrático e por isso deixemos a liberdade de candidatura e voto aos sportinguistas.”
Reina por aqui alguma confusão. Portugal é de facto um país livre e democrático mas existem leis e regras a cumprir para assegurar essa liberdade.
Portugal é um País livre e democrático mas nem todos se podem apresentar a eleições e nem todos podem votar.
Por outro lado as instituições podem ter regras próprias desde que sejam compatíveis com as leis da República: basta lembrar que em Portugal vigora o princípio de “uma pessoa um voto” e nas associações as pessoas podem ter mais do que um voto em função da sua antiguidade.
E mesmo ao nível da República há organizações que pela sua ideologia estão proibidas de concorrerem a eleições.
Por outras palavras, existe democracia e liberdade mas também há limitações ao seu exercício – tanto na República Portuguesa como no Sporting.
Para terminar esta lista que já vai longa, fica uma afirmação do próprio Bruno de Carvalho depois da Assembleia Geral:
"Hoje deixei de ser para sempre sócio e adepto deste clube"
Como dizem nos filmes, I rest my case...
O meu amigo Zé Cavaco é do Benfica e gosta de futebol espetáculo.
Gosta de jogadores que arriscam, que fintam, que tentam sempre, daqueles que têm o toque de midas ou o golpe de génio que transforma o desporto em arte.
No longínquo ano de 2002, o Zé Cavaco andava doido com o Ricardo Quaresma que na altura tinha 19 ou 20 anos; naquele ano, o Quaresma era o jogador que lhe enchia as medidas, aquele que ele gostaria de ter no seu Benfica.
Chegou a confessar-me que até tinha inveja de nós, os lagartos, por termos um miúdo assim, daqueles que na tradição do Futre eram capazes de correr de uma baliza à outra tentando fintar metade da equipa adversária.
O que lhe interessava era a garra, a ingenuidade e a ousadia dos miúdos.
Um dia disse-me que gostava que o levasse a Alvalade – queria ver esse miúdo mágico em acção, a cores e ao vivo.
Eu acedi, arranjei um cartão para ele e lá fomos juntos à bola.
Pelo caminho expliquei-lhe:
Olha Zé, em Alvalade toda a gente adora o Quaresma; mas nós não vamos lá só para o ver. Nós agora temos um miúdo ainda mais novo que é uma absoluta maravilha.
Como só tem 17 anos, nem sempre é titular. Mas vais perceber que na 2ª parte vai começar a sentir-se um burburinho no campo e é o estádio a pedir ao treinador para meter o miúdo.
O meu amigo Zé não acreditou.
Não achou possível que o Sporting, para além do Quaresma que era o seu jogador preferido, ainda tivesse um miúdo mais novo e mais promissor.
Mas lá aconteceu o que sempre acontecia: a certa altura da 2ª parte toda a gente começou a pedir o miúdo, e o Cristiano Ronaldo lá entrou.
Não me lembro de qual era o jogo (porque eu ia a todos) nem qual o resultado; não me lembro sequer se o Ronaldo chegou a fazer alguma daquelas jogadas de encher o olho e levantar o estádio.
Lembro-me da alegria do estádio a pedir para o miúdo entrar e a alegria e entusiasmo com que ele jogava à bola - era magia.
Acho que o Zé Cavaco não percebeu na altura aquilo a que tinha assistido, mas talvez agora o compreenda.
O Cristiano Ronaldo cresceu e transformou-se naquilo que hoje todos conhecemos - o maior jogador Português de todos os tempos.
Já todos vimos jogadores espetaculares, basta ir à lista dos vencedores da Bola de Ouro para recordar os nomes daqueles que foram os melhores do seu tempo.
Parece-me contudo que o Cristiano Ronaldo está num patamar acima de todos eles. Não se trata de ser “apenas” aquele jogador extraordinário que carrega a equipa às costas – é aquele nível acima em que o futebol se transforma num híbrido ali entre o desporto colectivo e o desporto individual.
No “meu tempo”, quando penso no Ronaldo não penso no Platini ou no Rummenigge, no Van Basten ou no Ronaldo (brasileiro), não penso sequer no Messi.
Ronaldo não é apenas o melhor daquele ano, é dos melhores de sempre - o único jogador do “meu tempo” que me vem à cabeça quando penso no Ronaldo é o Maradona - para mim o mais extraordinário jogador de todos os tempos.
Muitos acharão que estou a exagerar e é natural.
Eu às vezes resvalo para a hipérbole - o amor tem destas coisas.
O Ronaldo está com 33 anos e ainda tem muito futuro para escrever, mas a sua garra e a sua genuína alegria a jogar à bola são as mesmas do miúdo de 17.
Ronaldo hoje lidera uma equipa, mas abraça e vibra com os seus colegas com o mesmo entusiasmo e gratidão de adolescente.
É também por isso que para mim será sempre “o meu menino de oiro”.