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O Pinhal de Leiria deixou de existir.
Não me ocorreria metáfora mais grotesca para descrever este ano e a falência das nossas instituições.
Para os outros incêndios iam surgindo sempre explicações: donos negligentes, matas por limpar, território desordenado, interior desertificado, falta de cadastro florestal, micro propriedades , hectares com donos desconhecidos, donos que nem sabem que são proprietários florestais, condições meteorológicas adversas, acessos muito difíceis, etc.
E nós vamos assimilando essas justificações – elas fazem sentido.
Mas agora o Pinhal de Leiria deixou de existir.
O Pinhal de Leiria era muito mais do que um conjunto de árvores; aquilo não era uma mata, não era uma área florestal – era um monumento histórico, era património nacional.
Um projeto nacional com 700 anos, o primeiro e mais ambicioso projeto ecológico da nossa História: no século XIII foi mandado plantar um pinhal com o objectivo de travar o avanço das dunas, proteger a cidade de Leiria e os seus campos agrícolas. Esta ideia, visionária e revolucionária do séc. XIII, morreu ontem.
E não podia.
Eu sempre estive (mais ou menos) descansado em relação à segurança do Pinhal de Leiria.
Sabemos que o dono é o Estado, o dono tem meios ilimitados para o proteger, a região é habitada, não está abandonada nem desordenada, os acessos são bons, a zona é plana, enfim... era impossível que o Estado deixasse arder o Pinhal de Leiria.
Até ontem.
E é por isso que o fim anunciado do Pinhal de Leiria é tão grave.
Quando há um incendio em Mação ou Oleiros, é o Pais que arde.
Mas quando arde o Pinhal de Leiria, é o Estado que arde.
Já nem é uma questão de culpar ou demitir.
Ontem ardeu o Estado Português.
Ardeu o Governo e a Presidência, ardeu o Tribunal Constitucional e a Assembleia da República – o Estado Português deixou oficialmente de funcionar como se tivesse sido suspenso.
Ligamos a TV, vemos as notícias e parece que a realidade é virtual como se estivéssemos a ver uma série de ficção com imagens de um qualquer país em guerra.
Aquilo (isto) já não parece ser um País a sério.
Ontem deflagraram 523 incêndios. Como dizia um antigo Primeiro Ministro, é fazer as contas: são mais de 20 incêndios por hora - um novo incêndio a cada 3 minutos.
É claro que não há forma de combater uma monstruosidade destas; é irracional e insano. Não estou a desculpabilizar ninguém, longe disso, mas não sei se haverá algum País no mundo capaz de combater eficazmente um novo fogo florestal a cada 3 minutos.
E isso só reforça a ideia de descontrolo; parece que o Estado deixou de existir e estamos por nossa conta, cada um por si.
Ontem ardeu o Pinhal de Leiria.
Que é como quem diz, ontem ardeu o Estado Português.
E eu acho que o Estado Português nem sequer deu conta disso...