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Desta vez foi diferente; estranhamente diferente. 

Há cerca de um mês um comboio de autocarros cheios de civis foi atacado na Síria fazendo mais de 100 mortos entre os quais, pelo menos, 68 crianças.

Por cá não se falou muito no assunto - eu soube porque alguém partilhou um artigo do Independent.

As atrocidades da guerra da Síria tornaram-se demasiado frequentes e já não fazem cabeçalhos nem aberturas de telejornais.

E já se sabe que, naturalmente, são os ataques terroristas nas “nossas” cidades que provocam as maiores ondas de choque e indignação.

É natural - quando as vítimas são pessoas que têm modos de vida com os quais nos identificamos, sentimo-nos mais próximos; e quando os ataques ocorrem em sítios que conhecemos, onde temos amigos ou em ruas que já calcorreámos, sentimo-nos mais expostos.

Quando se ataca um autocarro com refugiados na Síria são “eles”, mas quando se ataca numa esplanada de Paris podíamos ser “nós”.

 

Mas ontem foi diferente, foi estranhamente diferente.

Ontem houve um atentado terrorista numa cidade inglesa, num concerto onde estavam milhares de pessoas, muitas delas jovens, e não senti o nosso mundo a abanar.

Ontem não vi milhares de pessoas a mudarem a foto de perfil, não vi nenhuma app  que de repente pusesse a Union Jack nas fotos, não vi nenhuma corrente JE SUIS  nem nenhuma torrente de posts indignados ou consternados.

Só umas notas avulsas, uma ou outra partilha de um artigo de jornal e pouco mais, rematados com um singelo #PrayForManchester.

Se querem que vos diga muito honestamente, acho que vi mais gente na minha feed a lamentar a morte do Roger Moore (parecendo que não, morreu com 90 anos) do que a lamentar as 22 vítimas mortais do atentado de Manchester.

E eu próprio me senti de alguma forma arrastado para uma espécie de onda de normalidade; até tenho o hábito de fazer uma foto de perfil ou de capa especial na minha página quando acontece uma aberração desta natureza mas desta vez não me senti compelido a fazê-lo.

No reino do facebook pareceu um dia normal...

Nem o facto de ser uma cidade com a importância de Manchester, a cidade do Tony Wilson, dos Joy Division/New Order, dos Smiths e do movimento MadChester, ou a cidade do Cantona e do Beckham e do Sir Alex Ferguson, ajudou a criar uma onda de solidariedade e consternação como as que vimos noutras ocasiões.

Será que se este atentado tivesse ocorrido há 3 ou 5 anos a reacção teria sido diferente?

Será que estamos a ficar indiferentes a tudo?

Só quando ao fim da tarde fui buscar as minhas filhas à ginástica é que o assunto veio à baila, por iniciativa delas - queriam saber notícias, detalhes, explicações...

 

Eu sei que existe uma corrente instalada que nos diz que o objectivo dos terroristas é criar medo e divisão na nossa sociedade e que se mostramos o nosso receio ou tristeza ou pavor estamos a entrar no jogo deles e a dar força à sua forma de luta.

Eu não quero entrar no jogo deles e, com a minha tristeza e compaixão, ajudar a alimentar a motivação dos terroristas.

Mas também não sei se esta apatia e indiferença perante as 22 pessoas assassinadas em Manchester é um caminho que, moralmente, me apeteça percorrer.

E não sei se esta aparente apatia, esta passividade perante um massacre, não nos mata também por dentro enquanto comunidade.

A História ensina-nos que indiferença também mata...

Pray-for-Manchester.jpg

 

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publicado às 00:19


7 comentários

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Ana a 26.05.2017

Nunca mudei a foto de perfil, nem participei em nenhuma "corrente" porque acho uma hipocrisia. Não pode haver o "eles" e o "nós". Por exemplo, só agora fiquei a saber desse ataque na Síria que tanta criança vitimou. E isto é muito triste, às vezes nem termos noção do que se passa no "resto do mundo".
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Fernando Caeiro a 26.05.2017

Eu não acho que o mundo se mude com fotos de perfil e as "correntes" maçavam-me porque me pareciam demasiado fáceis - como se carregar num botão fosse o cumprir de um dever cívico.
Mas também não vejo onde é que a compaixão possa ser um sentimento hipócrita.
É evidente que há situações que nos tocam mais do que outras e mortes que nos tocam mais do que outras.
Uma criatura que não se identifica com nada nem com ninguém em particular e que mantém a mesma relação afectiva com todos os 6 mil milhões de habitantes do planeta terra pode ser um(a) homo sapiens-sapiens mas nunca será um ser humano.
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Ana a 26.05.2017

É exactamente aí onde queria chegar, ser fácil carregar num botão e seguir com a nossa vida. Mas queria sobretudo evidenciar que não se fez o mesmo quando houve ataques na Nigéria e na Síria.
No meu entender, na minha maneira de estar na vida, seria uma hipocrisia "eu" fazer isso mas peço desculpa se ofendi de alguma forma.
Não pretendo ser considerada "não sendo humana" só porque quero ter consciência de todas as atrocidades que acontecem no mundo e ter compaixão por todos e muito menos pretendo despoletar algo de menos bom aqui na zona de comentários. Peço mais uma vez desculpa se não me exprimi corretamente, não tinha intenção de ofender. só chamar atenção para a situação do mundo no geral.
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Fernando Caeiro a 26.05.2017

Eu não me senti minimanente ofendido mas não entendo como é que se pode pretender ter consciência de todas as atrocidades que acontecem no mundo.
Já imaginaste quantas pessoas foram assassinadas, violadas, espancadas, abandonadas ou negligenciadas em todo o mundo nos últimos 10 minutos?
Somos 6 mil milhões de pessoas - é muita gente e muita coisa a acontecer ao mesmo tempo.
E não me sinto minimamente hipócrita por me sentir mais triste nuns acontecimentos do que noutros porque para mim, afectivamente, as pessoas não têm todas o mesmo valor.
Se calhar no dia do acidente que matou o Ayrton Senna despenhou-se um autocarro qualquer na China que matou 50 pessoas.
E então? Devo chorá-los todos por igual?
Devo abdicar de ter afectos porque isso é uma hipocrisia?
És bem-vinda aos comentários, Ana.
O facto de eu não conseguir compreender o teu raciocínio não te retira o direito e a legitimidade a pensares como pensas e a exprimires-te livremente.
Gostei que tivesses comentado; como escrevi no fim do post, a indiferença é que mata...


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Ana a 26.05.2017

Sou assim uma tonta que de vez enquanto sinto muito na pele coisas que não me dizem diretamente respeito e que se passam longe.
Mas passando em frente...Há uns anos atrás participei ativamente nas iniciativas por Timor, não parámos enquanto a situação não se modificou e parece que alguma coisa conseguimos fazer. Mas sabes o que me passou pela cabeça quando li o teu texto? Que hoje em dia, até estas iniciativas "passaram rápido" demais como tudo hoje em dia. Precisamos de voltar a ter garra para fazer a diferença. Mas quando vemos a liderança de países entregues mais uma vez na mão de loucos, já nem sabemos por onde pegar.
Acho que já estou a divagar, o problema é que não estou indiferente, estou em estado de choque a todos os níveis.

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