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Não meus amigos, os povos não mudam assim.
No espaço de alguns meses, dois países de grandes dimensões mudam radicalmente o estilo da liderança em quem votam.
Nos Estados Unidos Obama deu lugar a Trump, e no Brasil Bolsonaro prepara-se para suceder a Dilma.
São dois exemplos particularmente elucidativos.
Nos Estados Unidos os americanos tinham votado em Obama, um afro-americano que pertence a uma minoria étnica que representa menos de 15% da população; foi uma das maiores manifestações de tolerância racial da história da humanidade.
Nós que andámos 500 em África e temos a mania de que praticámos uma miscigenação fofinha e não somos racistas, nunca elegemos um preto/negro para uma junta de freguesia que fosse e enquanto isso os americanos elegeram um afro-americano para o lugar mais importante do Estado.
E contudo, 4 anos depois, o mesmo povo elegeu Trump com os seus tiques racistas e o seu discurso xenófobo e intolerante.
No Brasil os brasileiros tinham eleito Dilma Rousseff, uma mulher socialista, para a Presidência do País.
E agora, passados apenas 4 anos, preparam-se para eleger Bolsonaro com os seus tiques autoritários e o seu discurso misógino.
O que é que aconteceu para que estes povos tivessem alterado de forma tão substancial o seu sentido de voto?
Como é que se passa do afro-americano para o xenófobo e da mulher para o misógino?
Haverá muitas explicações mas o facto de o povo ter “mudado” de forma tão radical não é uma delas.
As pessoas que votaram Obama e depois Trump não se tornaram xenófobas em 4 anos, e as pessoas que elegeram Dilma e se preparam para votar Bolsonaro não se transformaram em misóginas de repente.
A culpa não é do povo que vota neles, a culpa é de nós todos e daquilo que deixámos fazer às nossas democracias a ponto de o povo já não lhe dar valor e não achar o regime insubstituível.
Permitimos que o espaço público fosse contaminado pelo discurso do ódio e da intolerância, mas também deixámos que se criassem as condições para que esse discurso vingasse.
Deixámos morrer as ideologias até chegarmos a um ponto em que a esquerda e a direita não se distinguem.
Deixámos que a classe política se corrompesse a ponto de o poder ser exercido com o objectivo de uma certa classe se manter no comando e assegurar as suas redes de interesses e os seus negócios.
Quanto ao povo, excluído desse circuito e sentindo que o exercício da política não serve os seus interesses, vira-se para qualquer candidato a messias que, correndo por fora e afirmando-se anti-político prometa pôr os “outros” na ordem.
É claro que nestas eleições há muita desinformação, é claro que há estratégias de marketing desonestas, é claro que há muita mentira à solta.
Mas também há uma classe política que parece ter-se esquecido das pessoas.
Nos EUA os democratas apostaram numa Hillary associada aos lobbys e aos interesses instalados. E gastaram tantos cartuchos a atacar (legitimamente) o seu oponente que provavelmente lhes sobrou pouco tempo e espaço para falarem dos problemas sentidos pelo cidadão comum; e os americanos preferiram arriscar num outsider que, mal ou bem, falava dos problemas que os preocupavam como o (des)emprego, amigração, etc..
No Brasil, em parte é a corrupção endémica associada ao PT que vai eleger Bolsonaro. Mas foi o próprio PT e o seu candidato que fizeram questão de se colar a Lula de forma algo suicidária, tendo ocupado boa parte do seu tempo a alertar para os perigos de Bolsonado deixando de fora da sua agenda os problemas que preocupam o brasileiro comum.
Até admito que muitos dos que votaram Trump ou se preparam para votar Bolsonaro o façam sem grande convicção mas isso é indiferente: um voto é um voto.
Não sei se votam no candidato que lhes parece bom, talvez votem apenas num que lhes pareça diferente.
Porque o que tinham já conhecem e estão cansados.
E uma pessoa cansada e quase sem esperança, deixa-se levar por qualquer promessa de grandeza ou de salvação...